Pular para o conteúdo principal

O PASSEIO DE AVIÃO



Um céu sem nuvens e um sol outonal eram convite ao cumprimento da promessa: um passeio panorâmico de avião sobre a pequena cidade interiorana. Naquela tarde, o pai levou o filho e um sobrinho ao campo de aviação. Foram de charrete, sorrindo e contando os minutos para experimentar a emoção de ver tudo de cima, como se fossem pássaros em seu primeiro voo.

Ao chegar, perceberam a longa fila de candidatos àquela jornada. Avaliando o tempo de cada passeio, concluíram que seriam os últimos do dia. Talvez não houvesse luminosidade suficiente para intensificar a experiência, mas isto não seria problema.

Contrapondo-se ao azul do início da tarde, algumas nuvens se formaram e veio uma leve chuva. O ânimo, no entanto, permanecia intacto, mesmo com a claridade reduzida e o prenúncio do crepúsculo.

Na decolagem, as primeiras luzes da cidade eram visíveis: cenário bem diferente do que previam enquanto, ainda em terra, exercitavam a imaginação e tentavam conter a ansiedade. O pequeno avião foi ganhando altura e se aproximando das primeiras nuvens.

Atravessá-las foi um misto de tensão e encanto. Um novo colorido surgiu aos olhos arrebatados dos passageiros daquele voo. De um lado do céu, o sol se pondo; do outro, a lua cheia ganhando espaço. Não era necessário olhar para baixo, nada se enxergava além do colchão de espuma que fazia cair os pingos da chuva.

Mas, acima, o espetáculo era único.

O passeio lhes pareceu muito rápido, logo aterrissaram. Voltando para casa na mesma charrete, a alegria era indisfarçável pelos momentos tão diferentes que haviam experimentado. Tanta euforia também foi compartilhada pelo jovem condutor do veículo, que fazia perguntas para saber dos detalhes do passeio.

De regresso a casa, os adolescentes correram em direção aos familiares e relataram sua experiência. O assunto percorreu toda a noite, alcançou a madrugada, nos sonhos que se seguiram à excitação daquele dia.

Anos depois, essas imagens e outras lembranças vieram à mente do sobrinho e foram espontaneamente compartilhadas com um eventual desconhecido, cujas respostas provocaram reflexões naquelas horas passadas no saguão do aeroporto, decorrentes do atraso do seu voo.

Apreensões, esperanças, buscas e desencontros. Poucos planos consumados e muitos deixados para o futuro. Tempo para se conhecer melhor, algo que, antes, nunca havia sido incentivado a fazer.

Sozinho novamente, sentado diante das grandes janelas da sala de espera, observou: a tarde, que havia começado azul, recebeu as nuvens e uma chuva fina, como havia sido naquele seu primeiro voo.

A voz usual em aeroportos anunciou:
- “Passageiros do voo 2356, dirijam-se para embarque, portão 2. Devido ao atraso, o tempo da aeronave em terra será o menor possível”.

Saindo do ônibus para alcançar a escada de acesso à aeronave, sentiu os pingos da chuva. Era final da tarde, início da noite. Imaginou que poderia, depois de tanto tempo, rever a cena em que o sol e a lua dividiam o espaço acima das nuvens.

Logo em seguida à decolagem, o comandante fez a saudação costumeira:
- “Senhores passageiros, boa tarde. Aqui lhes fala o comandante. O tempo de voo até nosso destino será de ...".

As demais palavras se perderam. Mergulhado nas lembranças que sempre agitavam sua mente, deu-se conta das tantas vezes em que se prendeu às coisas que compunham um tempo sem retorno e sem possibilidade de ajustes de rumo! Quantas vezes quis refazer passos e reencontrar caminhos que haviam deixado de existir!

Havia sido assim por muitos anos. Talvez houvesse chegado o momento de se voltar para o que estava por vir, concentrar-se naquilo que poderia ser efetuado e se desvencilhar do que era definitivamente passado.

Nem percebeu o transcurso da viagem. Quando o avião iniciou os procedimentos de descida, pela sua janela reviu o panorama conhecido: sol e lua dividindo a mesma paisagem sobre as nuvens.

Entendeu que a vida estava lhe entregando um sinal que era tempo de recomeçar.

Comentários

  1. 👏👏👏👏👏 ótimo e profundo

    ResponderExcluir
  2. Sempre é tempo de recomeçar. Parabéns pelo texto, ótima reflexão para os dias que estamos vivenciando.

    ResponderExcluir
  3. Linda reflexão principalmente por causa do que estamos vivenciando parabens

    ResponderExcluir
  4. Belo texto professor! Todos os dias são dias de recomeço! Grande abraços mestre!

    ResponderExcluir
  5. 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻❤

    ResponderExcluir
  6. Parabéns Grande Mestre.
    Texto maravilhoso.

    ResponderExcluir
  7. Que lindo , recomeçar sempre,de muita pureza sensibilidade, abraços meus queridos.

    ResponderExcluir
  8. Q lindo texto!! Expressa nossas sensações desse momento difícil e nos mostra que sempre é tempo de recomeçar. Parabéns meu amigo!!!

    ResponderExcluir
  9. Parabéns Chico Lahr ! Texto maravilhoso , emocionante ! Recomeçar sempre !
    Abraços à sua linda família !

    ResponderExcluir
  10. Parabéns prof.
    Ótimo texto,!!
    Vale a reflexão!!!
    Um forte abraço...

    ResponderExcluir
  11. Mestre,
    Uma exposição maravilhosa, nos autos da glória.
    Grande e fraterno abraço,

    ResponderExcluir
  12. Bela e oportuna reflexão, que procuremos seguir em frente aguardando que a vida nos traga boas surpresas e novas versões das experiências vividas. Grande abraço, Ângela

    ResponderExcluir
  13. Bela mensagem Professor Rocco, como sempre!!!
    As nuvens me fizeram lembrar dos Lençóis, neste caso Paulista.
    Grande abraço.

    ResponderExcluir
  14. Querido amigo, parabéns pela linda iniciativa. A você e à Maria Cristina!

    Saudades, espero que estejam todos muito bem. Do sempre amigo que tanto o admira,
    Vinicius

    ResponderExcluir
  15. Lindo! Parabéns Professor Rocco. Adorei

    ResponderExcluir
  16. Marailhoso meu caro,

    Agradeço pelo texto.

    ResponderExcluir
  17. Muito bom, Chico. Sempre bom ler seus textos. Abraço

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

BÉSAME

  BÉSAME (ouça https://www.youtube.com/watch?v=TUVM4WdXMLs enquanto faz a leitura)   Durante muitos anos, Paulo foi profissional da música, cantando em restaurantes, bailes e outras festas. Gostava destes trabalhos. Porém, por causa deles, raras vezes teve a oportunidade de dançar, nos moldes românticos ainda viáveis naquele final da década de 1980. Para ele, dançar era um ato de magia, bem mais que o simples compartilhar de mãos, movimentos e expectativas. Esta era sua percepção e acreditava nela apenas se houvesse alguma cumplicidade entre os envolvidos. Entretanto, sempre há os dias em que algo inesperado acontece. Havia um clube, em sua cidade, que programava as chamadas Noites Temáticas. Num sábado sem trabalho, foi à boate. Decoração como convém, luzes contidas, músicas falando dos diversos tipos de amor: boleros e outros ritmos do gênero. Os passeios de sempre pela penumbra do salão e, de repente, Paulo encontrou uma linda mulher, de pele e cabelos morenos, olhar acast

ALGUNS VERSOS SINGELOS

  Imagem:@hertezpuggina ALGUNS VERSOS SINGELOS   Por alguns versos singelos, Sem rimas (elas não são essenciais para mim) Lá se foram algumas horas de minha vida.   Espero que alguém os leia, em algum lugar, Em algum momento, em alguma circunstância, Em algum fim de tarde despretensioso.   Ou... que o tempo os conduza Num vento bem suave, mas preciso, Para que encontrem seu pouso sereno Num coração acolhedor E ali habitem para sempre.

AQUELA PRAÇA

O encontro naquela praça foi inesquecível. O horário não se mostrou importante. Não houve fogos de artifício, nenhuma canção podia ser ouvida no instante em que as vozes e os olhares se cruzaram – curiosos e envolvidos – naquele lugar que se tornou referência e, ao mesmo tempo, um misto de saudade e resignação. Os canteiros floridos ao redor e as calçadas ligeiramente sinuosas confirmavam que o momento era verdadeiro, um momento que seria a demonstração de que a realidade da vida podia apresentar tonalidades de paz, euforia e encanto. Era o início de um tempo que viria a ser surpreendente. Em doses pacíficas e gradativas. Ainda um pouco e seria possível rever as amoreiras florirem, os granitos espelharem o brilho do sol. Seria possível desfrutar as imagens elevadas do mar, das ondas que arrebentariam em praias serenas e da espuma que carregaria consigo eventos imemoriais. Seria possível ouvir as antigas e as novas canções, agora revestidas de arranjos intensos, teclados e sop