Houve um prolongado período em que meu cotidiano
era muito diferente.
Lembro-me
que, das cinco às seis da manhã, permanecia deitado com olhos semicerrados esperando,
inquieto e pensativo, os minutos transcorrerem em seu meticuloso ritmo.
Depois,
a roupa do dia, a água acariciando as mãos e o rosto, a toalha, o café com leite
(pouco açúcar), o pãozinho com manteiga. Depois sem manteiga. Às pressas, uma
fruta ou um pedaço dela.
Voltava
à água e às escovas, de dentes e de cabelos (poucos cabelos desde então), à desatenta
conferência ante o espelho. E tudo se iniciava, porta afora, escola adentro.
Assim
caminhavam os dias, diligentes e com suas aparentes novidades, que mais seduziam
do que permitiam atentar à sua frenética pulsação.
No
início da noite, com as aulas ministradas, desenvolvidas as dissertações e
teses, completadas as tarefas administrativas, as horas quase sempre pareciam ocultar
seu destino e os dias se despediam, sem retorno, nas constantes interrogações
pelo que viria em seguida.
Entretanto,
como não existem hábitos eternos, foi preciso repensá-los e, gradativamente,
refazê-los.
Agora,
as manhãs me veem um pouco mais tarde, ainda que a aurora continue a me
encantar. Renovo o ânimo com o sol, as canções preferidas me aquietam os
sentidos e eu posso sorver as lidas mais lentamente, como se construísse meus
momentos com zelo redobrado.
Reaberto
está o ambiente para contar saborosas histórias e redigir poemas que remetem às
coisas que a vida traz consigo, mesclando o cumprimento de expectativas e a
efetivação das mais afetuosas surpresas.
Assim,
com a nova divisão do tempo, as noites menos breves têm disponibilizado o alento
essencial para permitir que aflore tudo o que havia se conservado nos cantos
mais fascinantes da alma, aguardando o mágico instante da revelação.
A
referência a uma valiosa constatação é oportuna: o verbo abandonar tem várias
acepções. Foi preciso optar por um tipo de abandono, por uma espécie de progressivo
desvestir-se para que algo pudesse ser recuperado, retomado, reconstruído,
redimensionado.
Para
que, finalmente, exista em minha fração de vida mais lugar para as coisas da
minha vida.
Muito interessante o texto. Gostei muito da reflexão. Nos convida a pensar sobre o fechamento de ciclos e abertura de outros. Parabéns!!!
ResponderExcluirLindo texto.😉
ResponderExcluirAntes tarde do que mais tarde. Muito boa reflexão meu amigo. É a descoberta de novos propósitos que movimenta positivamente nossa vida. Gostei muito. Abraços.
ResponderExcluirLinda reflexão!!
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