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Mostrando postagens de 2018

A SENHORA DE CABELOS AZUIS

A SENHORA DE CABELOS AZUIS Encontros não marcados podem ser inesquecíveis? Creio  que sim.  Os meus foram bem poucos, embora decisivos para transformar minha vida. Este aconteceu numa tarde de verão: minha avó materna recebeu a visita de uma amiga vinda de São Paulo. Morávamos em Rio Claro. Eu não sabia: nossa visitante era professora de piano há muitos anos. Naquela hora, eu tocava algumas canções. Ela ouviu, chegou ao meu lado e pediu que tocasse mais uma música. Relutei o quanto pude. Mas suas palavras foram tão impactantes que eu mudei de ideia. Para sempre. Penso que é bom registrar que, depois daquela tarde, nunca mais vimos a senhora de cabelos azuis. Nem tivemos notícias dela. A SENHORA DE CABELOS AZUIS Era uma tarde quente, muito quente, Como tantas na cidade em que nasci, Minhas mãos vagavam pelas teclas do piano Desanimadas com a aparente inabilidade Para extrair sonoridade das páginas escritas.

A CRIANÇA QUE EU QUERO SER - Maria Cristina

A criança que eu quero ser tem cabelos despenteados, pés descalços e mãos meladas (e ainda assim é amiga do espelho). Não é insegura nem tem dor de barriga por ansiedade. Ela não conta os dias nem os minutos, conta histórias, estrelas e balões. A criança que eu quero ser não guarda mágoas nem rancores, guarda segredos, boas memórias (e de vez em quando mandam que ela guarde os brinquedos). A criança que eu quero ser tem um coração doce e puro. Ela perdoa e recomeça. Ela pula, corre, nada, gargalha e, depois de um dia de brincadeiras, dorme (apenas) e sonha. A criança que eu quero ser renasce a cada dia, tem olhos atentos, admira, experimenta, participa, descobre, constrói, reinventa, resignifica e cresce, tentando sempre ser alguém melhor que é! A criança que eu quero ser ri mais que chora, não se acostuma com metades e rejeita as migalhas. É encantada, eufórica, intensa e plena. O mundo é pouco e a vida é curta demais para a criança que eu quero ser

AS HISTÓRIAS E A VIDA

Levantou aquele dia com vontade de ouvir uma história. A última de que se recordava tinha sido contada há muito tempo por sua avó materna. Ele tinha dez, doze anos. Depois, só a realidade da vida. Nada de narrativas fictícias, ou algo parecido. Nada de contextos fantásticos, lugares paradisíacos, sequências mirabolantes. Naquele dia, desejou ouvir uma história que unisse elementos inesperados, tendo como pano de fundo um sonho impossível, com personagens que não conseguissem dominar a dinâmica do enredo. Aquilo não lhe saiu da cabeça, o dia inteiro, tal a ansiedade por algo que lhe viesse a ser revelado, como fruto de uma bem preparada imaginação. Porém, não conhecia mais ninguém que lhe pudesse trazer uma história, qualquer que fosse. Ninguém, apesar das suas conjeturas e sondagens virtuais. Voltou tarde para casa, mais cansado que o habitual e rapidamente se preparou para o descanso noturno. Embarcou neste percurso solitário, não evitando alguns planos p

SOBRE O QUE EU NÃO QUERO ESQUECER - Maria Cristina

Se um dia eu esquecer o cheiro do armário de cosméticos da vó Julia, me mostre um vaso de antúrios vermelhos ou me presenteie com um punhado de bolachinhas de maisena. Se eu não mais me lembrar do amor do nosso pai, faça-me ouvir Ennio Morricone assistindo ao por do sol. Se os sorrisos e a certeza da dedicação da mamãe fugirem da minha memória, por favor, encha uma vasilha de jabuticabas e se sente ao meu lado para comermos juntas. Se eu não tiver lembranças da nossa infância de meninas, bata um suco de amoras (e coe) e me leve pra ver as pipas no céu! Se eu esquecer o alívio que as palavras escritas me trazem, coloque em minhas mãos uma folha em branco e uma lapiseira vermelha, ligue a música e me deixe, só por um tempo, sozinha. Se eu não me lembrar de todas as segundas chances que tive, me mostre a montanha mais alta e me conte que a paisagem da minha vida foi vista de lá. E, se eu esquecer as incríveis e inesperadas surpresas da vida, me traga uma

A RESPEITO DE PALAVRAS E CONFISSÕES

Palavras são prodigiosas agentes na comunicação humana: disseminam impressões, manifestam desejos, estabelecem significados. Por meio delas os mais cativantes acontecimentos podem ser narrados, os afetos mais sinceros podem ser cultivados, as expectativas mais intensas podem ser declaradas. Palavras são pedaços de vida e, quando sensivelmente compartilhadas, têm o potencial de fazer os dias mais coloridos e trazer mais encanto à alma. Entre tantas outras possibilidades, palavras viabilizam confissões. Meus versos não serão imensuráveis, Terão somente a extensão suficiente Para abrigar minhas impressões A respeito das hortênsias que colhi Num caminho sem muitas pedras; Terão a dimensão apropriada Para registrar as reservadas histórias Que pude vivenciar, emocionado, Neste intervalo de vida que me coube. Meus versos não serão imensuráveis, Apenas refletirão imagens de minha estatura, E dos singulares limites de minha lucidez; Serão minha

VÉSPERAS

Todos os dias, dos rotineiros aos mais expressivos, têm suas vésperas. Algumas vezes, são os momentos de rever detalhes dos planos organizados durante semanas, meses, aparar as derradeiras arestas, dirimir as últimas dúvidas, respirar profundamente e seguir para vivenciar o que os próximos passos reservam como revelações. Outras vezes, as vésperas se constituem no tempo de concluir a arrumação das malas e de conferir os documentos para a viagem que se aproxima. Outras, ainda, são períodos de recordar situações que a gente desejou perenizar em nosso destino, mas que insistem em permanecer como esperanças retidas, aguardando os instantes propícios para se converter em realidade. Sem as vésperas, os dias da celebração se tornariam apenas um futuro inatingível e uma perspectiva distante, incapazes de fixar o sorriso e de renovar as hipóteses de conquista. Sem elas, os dias seriam iguais e carregados de monotonia. Dias sem o colorido que re