Levantou aquele dia com vontade de ouvir uma
história. A última de que se recordava tinha sido contada há muito tempo por
sua avó materna. Ele tinha dez, doze anos.
Depois, só a realidade da vida. Nada de
narrativas fictícias, ou algo parecido. Nada de contextos fantásticos, lugares paradisíacos, sequências mirabolantes.
Naquele dia, desejou ouvir uma história que unisse elementos inesperados, tendo como pano de fundo um sonho impossível,
com personagens que não conseguissem dominar a dinâmica do enredo.
Aquilo não lhe saiu da cabeça, o dia inteiro,
tal a ansiedade por algo que lhe viesse a ser revelado, como fruto de uma bem
preparada imaginação.
Porém, não conhecia mais ninguém que lhe pudesse
trazer uma história, qualquer que fosse. Ninguém, apesar das suas conjeturas e
sondagens virtuais.
Voltou tarde para casa, mais cansado que o
habitual e rapidamente se preparou para o descanso noturno. Embarcou neste percurso
solitário, não evitando alguns planos para a manhã seguinte. Talvez continuasse
querendo ouvir alguma história. Adormeceu.
Logo, se deparou com uma longa alameda delineada
por árvores tingidas de inúmeros pontos roxos: amoreiras com os frutos em sua época. Embora dia, não se via o sol. As vestes das pessoas que colhiam
estes frutos pareciam antigas e a movimentação do produto obtido se processava
por carroças tracionadas por animais. Era possível ler o pensamento dos
colhedores de amoras e todos aspiravam concluir bem depressa seu trabalho e viajar para praias remotas, onde pudessem avançar rumo ao mar e voltar despreocupados
para os braços de quem os aguardasse na calidez das tardes ensolaradas. Mas não
estavam disponíveis estradas e mapas para lhes orientar a viagem. Era
uma realidade diferente e nada havia a fazer. Então as pessoas que colhiam as
amoras regressavam, nos finais dos dias, para onde fosse possível, embora
tivessem a impressão que iam para lugar algum e ninguém as esperasse com o amor
com que desejavam ser acolhidas. As noites daquelas pessoas eram muito longas e
monótonas.
Despertou um pouco assustado. Aquela história...
Como interpretá-la e captar seu real significado? Insistiu bastante. Em vão.
Diante de tal impossibilidade,
limitou-se a confirmar que histórias não são necessariamente para ser
entendidas e, sim, para ser apenas contadas. E ouvidas.
Por um instante, lembrou-se com saudade de sua
avó.
E, mais uma vez, se convenceu que as histórias são muito
parecidas com a vida.
Nem sempre entendemos a vida, mas devemos seguir acreditando e apreciando, assim como as boas histórias que nos são contadas.
ResponderExcluirMe identifiquei bastante com o texto, ainda mais pelo fato de minha avó materna também ter sido pra mim a referência em histórias... dias e noites de insônia (minha e dela) a fundo ouvindo maravilhosas histórias de vida, ricas de experiências, graça e as vezes com ensinamentos.
Agradeço a vc pelo belo texto e ao Rafa pela indicação, continuarei acompanhando.
;)
ResponderExcluirHistórias... De onde vêm e para onde vão?! Não importa... Nos trazem consigo e nos levam para o infinito... Histórias...
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