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UMA LIÇÃO PARA LEMBRAR - Maria Cristina




Sou professora de profissão. Mas sou mais professora por paixão. Sou por herança e, talvez, por essência.

Deve ser por tudo isso que vivo buscando lições por aí. Aprendo com os alunos (muito mais que eles podem imaginar), com os colegas, com papai e mamãe (meus eternos exemplos), aprendo até com quem passa na rua sem a menor intenção de se fazer mestre.

E hoje aprendi sobre simplicidade, reflexão e alegria com uma criança de cinco anos que, apesar de ser um pedaço de mim, se mostra, já, muito mais equilibrado, confiante, seguro e determinado.

Todas as noites, seguimos o mesmo ritual (ainda um costume adquirido nas centenas de noites mal dormidas dos primeiros anos do rapazinho): escovar os dentes, fazer xixi, correr pra cama, escolher um bichinho de pelúcia que o acompanhe noite adentro, oração e a pergunta:

- Quer que mamãe cante ou que fique em silêncio?

A resposta costuma variar de acordo com a intensidade do cansaço. Então vêm as músicas (ou o silêncio) e as palavras:

- Mamãe te ama, dorme com Papai do Céu e tenha lindos sonhos! (além de um beijinho na bochecha quente).

Essa noite foi exatamente assim.  A opção foi pela cantoria (e eu me dou o direito de incluir ao repertório do nana nenê Rita Lee, Cazuza, Chico, Isabella Taviani e outros que eu considero sonoramente interessantes).

A playlist de hoje contava com uma música gravada por Marisa Monte e Erasmo Carlos e dizia algo mais ou menos assim: "você pensa em mim eu penso em você,  eu tento dormir e você tenta esquecer..."

Achei que, nessa estrofe, minha doce criança já estivesse saltando cerquinhas brancas com os milhares de carneirinhos cacheados. Mas não. Quebrando o protocolo noturno, por ele mesmo milimetricamente estabelecido, se vira pra mim já dominado pelo sono e pede pra que eu cante novamente a parte do "esquecer".

Assim eu fiz sem me dar conta do que viria em seguida: uma pergunta (talvez imprópria para a escassez de respostas criativas, inerente ao horário, ainda mais pra mim, que sou do dia):

- Por que alguém tenta esquecer alguma coisa?

Espantada e despreparada, disse apenas que algumas pessoas tentam esquecer coisas que foram tristes ou chatas. Ele deve ter ouvido parcialmente essa resposta (mas isso é o que menos importa). E com as seguintes sábias palavras puxou a coberta e adormeceu, aparentemente, livre de qualquer preocupação:

- Eu não! Eu não quero esquecer nada, nunca...

Eu também não, filho! Mamãe te ama, dorme com Papai do Céu e tenha lindos sonhos.



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