Pular para o conteúdo principal

VIAGENS: ÚLTIMO CAPÍTULO - Chico


Sexta-feira, 19 horas. Chuva forte, compromissos cumpridos, gratidão aos anfitriões claramente registrada. De volta ao hotel, confirmou a reserva e o horário para que as flores fossem entregues no restaurante. Rosas amarelas. O presente e o cartão já estavam preparados. Um prolongado e relaxante banho, enquanto aguardava que ela entrasse em contato.

Desceu ao saguão, sentou-se outra vez diante do monitor. Na caixa-postal havia uma mensagem dela, enviada às 22 horas e 18 minutos do dia anterior. Dizia que, realmente, as atividades haviam sido muito intensas nos últimos dias. Ainda assim, não havia conseguido completar seu trabalho. Por isso, para ela era muito doloroso aceitar que estavam tão próximos, mas não poderiam se encontrar. Releu o texto. Mais uma vez. Teve que concordar: estava sendo muito doloroso. Seus olhos umedeceram: se houvesse visto a mensagem na noite anterior, teria alugado um automóvel no meio da tarde e, deste modo, atravessaria os quilômetros que os separavam. Na cidade dela, teriam algum tempo juntos, pelo menos. E poderia estar de volta na manhã de sábado. Estático e resignado, demorou um pouco a reconciliar o raciocínio. A vida tem mesmo destas coisas. Muitos minutos depois, notou que, lá fora, a chuva ia se acalmando. Já passava bastante das 20 horas.

Resolveu sair e caminhou até o restaurante, não muito distante do hotel. Os ares de uma eventual paixão foram se dissipando, lentamente. Não havia mais pressa, nem ansiedade, nem euforia. Poucas pessoas estavam nas ruas do centro da cidade àquela hora, quase ninguém. Em alguns bares da região, a noite começava a se agitar. Para ele, pouco ou quase nada mais iria acontecer. Não quis arriscar chamá-la pelo telefone celular. Nenhuma razão objetiva para isto. Entretanto, sabia que a vida não é feita somente de razões objetivas. E assim o fez, ou melhor, não o fez.

As cores daquele dia não foram vivas e a suavidade das palavras deu lugar ao silêncio. Talvez houvesse motivos. Para ele, restou a mesa sem companhia. Recebeu as flores que enviara, olhou o presente e o cartão. Pediu que trouxessem champanhe. Apenas champanhe. Tomou três taças, depois saiu e deixou as flores enfeitando o lugar. Ao lado o cartão. Chegou ao hotel e não quis mais pensar. Somente procurou descansar. Até agora não sabe como conseguiu.

No dia seguinte, estaria voltando, voo marcado para o início da tarde.

Sábado: Acordou no horário de sempre, um pouco atordoado. Aos poucos, uma impensável mudança de humor o levou ao convencimento de que, nesta fase de sua vida, ainda haveria outras chegadas e partidas. Desejou com sinceridade que não experimentasse muitas ausências. Percebendo alguns sorrisos de volta aos lábios, pressentiu que iria conservar a delicada lembrança da luminosa mulher, sua amiga circunstancialmente distante, até que fosse possível o próximo encontro. Tentou imaginar quando aconteceria.

Conformou-se: o convívio com o tempo e suas sólidas limitações se constituiria num aprendizado repleto de minúcias. Talvez esta viagem tivesse sido apenas o começo.

No aeroporto, certificou-se de que, ao desembarcar, uma nova partida o aguardava. Mais algumas horas de voo e estaria ao lado de uma das grandes paixões de sua vida. Ela o esperava.

Talvez ficassem juntos alguns dias.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

BÉSAME

  BÉSAME (ouça https://www.youtube.com/watch?v=TUVM4WdXMLs enquanto faz a leitura)   Durante muitos anos, Paulo foi profissional da música, cantando em restaurantes, bailes e outras festas. Gostava destes trabalhos. Porém, por causa deles, raras vezes teve a oportunidade de dançar, nos moldes românticos ainda viáveis naquele final da década de 1980. Para ele, dançar era um ato de magia, bem mais que o simples compartilhar de mãos, movimentos e expectativas. Esta era sua percepção e acreditava nela apenas se houvesse alguma cumplicidade entre os envolvidos. Entretanto, sempre há os dias em que algo inesperado acontece. Havia um clube, em sua cidade, que programava as chamadas Noites Temáticas. Num sábado sem trabalho, foi à boate. Decoração como convém, luzes contidas, músicas falando dos diversos tipos de amor: boleros e outros ritmos do gênero. Os passeios de sempre pela penumbra do salão e, de repente, Paulo encontrou uma linda mulher, de pele e cabelos morenos, ol...

ALGUNS VERSOS SINGELOS

  Imagem:@hertezpuggina ALGUNS VERSOS SINGELOS   Por alguns versos singelos, Sem rimas (elas não são essenciais para mim) Lá se foram algumas horas de minha vida.   Espero que alguém os leia, em algum lugar, Em algum momento, em alguma circunstância, Em algum fim de tarde despretensioso.   Ou... que o tempo os conduza Num vento bem suave, mas preciso, Para que encontrem seu pouso sereno Num coração acolhedor E ali habitem para sempre.

OLHARES

  OLHARES Olhares são flechas precisas que atravessam distâncias, elucidam segredos e estabelecem conexões. Podem revelar afeto, inquietude, admiração. É no cruzar de olhares que muitas histórias começam e emoções florescem: olhar é mais do que observar; é perceber, compreender e sentir. Olhares requerem reciprocidade para se tornarem poemas de vida.   Olhares que acolhem são espelhos do infinito que habita A singeleza de momentos que palavras não descrevem; Olhares que abrigam a doçura de confissões já declaradas São gestos que transformam dias comuns em celebrações. Olhares generosos enxergam além da superfície, E elaboram pontes substituindo abismos. Olhares generosos são rios que fluem sem cessar, Envolvem o mundo, prontos a entender o que é invisível, E a vivenciar o que se exprime na simplicidade de um gesto.   Olhares generosos não julgam, mas compreendem com a alma, São como a ternura silenciosa que se concede, sem pedir nada em troca.