Assim como tantos anônimos que se
dedicam, entre outros afazeres, a articular ou registrar histórias, aquele
amante das palavras não tinha o hábito de compartilhar suas intenções.
Considerava-se um aspirante a escritor.
Acreditava na contínua lapidação daqueles
que nasceram com esta intransferível aliança com a vida. O quanto de acerto
existiria neste pressuposto nunca fora objeto de seu questionamento.
Ávido leitor, aos poucos foi se
encantando com as protagonistas que conhecidos nomes da literatura brasileira
haviam imortalizado. Três delas eram suas preferidas:
- Capitu, de Machado de Assis,
obstinação amorosa de Bentinho, com sua misteriosa sensualidade;
- Lucíola (ou Maria da Glória), de
José de Alencar, com sua trajetória de adversidades e regeneração;
- Gabriela, de Jorge Amado, com
espírito livre e insubmisso às convenções de uma sociedade patriarcal.
Ao lado desse seu encanto, algumas
questões continuamente o incomodavam: como as relações entre realidade e ficção
eram trabalhadas pelos autores? Teriam mesmo existido as mulheres que
originaram as personagens ou a capacidade criativa havia predominado? Encontrar
respostas: árdua tarefa.
Para ele, a mais bem engendrada
ficção era menos atraente que uma singela fração da realidade. O quanto de
acerto existia nesta sua hipótese também lhe era desconhecido.
Entre suas pretensões não
reveladas, uma lhe era muito clara: tornar sempre lembrada uma personagem,
real, que anos atrás passara a ser seu incentivo e sua motivação.
Seus poemas dedicados seriam fontes para contar, de modo singelo, aspectos marcantes de tal personagem: o brilho e a luminosidade do olhar, os traços do rosto, os diferentes modos de
arrumar os cabelos, o jeito de falar capaz de remover enigmas, a nobreza do
caráter e da atitude.
Também haveria os poemas na
primeira pessoa: confissões essenciais gravadas em pequenos frascos, que
conteriam lembranças repartidas. Entre outras tantas possibilidades.
Seus textos seriam declarações em
prosa, crônicas com aflorado lirismo, extratos de viagens realizadas ou apenas
idealizadas, conjeturas, proposições. Enfim, fragmentos do cotidiano.
Mas... tal empenho seria capaz de
perpetuar sua personagem preferida?
Também a esta pergunta as
respostas se sucediam, inconclusivas.
Entretanto, coerente com seu modo
de entender a vida, costumava cultivar uma expectativa: que a mulher que
originou a personagem se sentisse inesquecível.
Mesmo que, além dela, apenas uns
poucos olhos não distraídos do mundo se dessem conta de seu afeto.
Comentários
Postar um comentário