PEDAÇOS DO CÉU NO CHÃO
Sentir-se seduzido pelas pontes seria acreditar nas
possibilidades de travessia e superação. A isto se acrescentaria a ideia de minimizar
separações, distender clausuras, desobrigar lembranças.
Muitas vezes se fazem paisagens para reinaugurar impressões
de pessoas e de acontecimentos. Como obras de arte, guardam para si
prerrogativas de encantar, sugerir, sinalizar.
Há tantos relatos de situações demonstrando a
variedade de significados dessas estruturas de transposição. Alguns, até
interessantes, não se conseguem comprovar. Outros são apenas fantasias. Outros,
porém, são expressivas realidades.
Enquanto acompanhava a conclusão da ponte pênsil (que
também fazia a função de passarela para pedestres) sobre um conhecido rio paulista, presenciei
uma situação inusitada. Estava começando a carreira acadêmica e as novidades se
multiplicavam numa área a que poucos engenheiros então se dedicavam.
Com o revestimento asfáltico aplicado sobre as vigas
de rigidez e as peças do tabuleiro, o trânsito “não autorizado” de pessoas se
intensificou. Afinal, depois de anos, distâncias estavam sendo
significativamente encurtadas e o acesso a indústrias, lojas, bares e outros
serviços era facilitado. Clima de quase festa.
Minha atenção se fixou na mulher que trazia
consigo um menino de nove, dez anos, com sinais de sérias limitações motoras. Dirigiu-se
a mim, sorriso nos lábios, parecia querer mostrar-se grata a alguém que se
sentia cumprindo somente suas atribuições profissionais.
- Obrigado! O senhor não imagina minha alegria!
Agora não preciso andar três quilômetros para levar o Júnior ao hospital. Nem
sempre o dinheiro dava para o ônibus e o menino precisa muito de fisioterapia.
Claro que fiquei sem palavras, sem reação, sem
saber sequer o que pensar naquele momento. Concordei com um gesto, deixando
clara minha emoção. Continuou a mulher:
- Um presente divino, apenas quinhentos metros e
já chegamos ao consultório. Para nós, esta ponte é um pedacinho do céu no chão!
E me agradeceu, eufórica. Lá se foram os dois, a
mãe amparando o filho e ambos em busca de lenitivo e esperança de novos dias.
Logo a estrutura foi aberta ao trânsito, minhas
visitas ao local se tornaram menos frequentes. Nunca mais os encontrei. Mas a
imagem não me saiu da lembrança.
Desde aquela hora, quaisquer sentidos metafóricos
que alguém atribuísse às pontes, mesmo os apontados no início deste texto,
deixaram de ser relevantes para mim.
Assumi as palavras daquela mulher: como presentes
divinos, pontes são pequenos pedaços do céu no chão!
:)
ResponderExcluirFantástico!!!! A Engenharia trabalhando para as realizações de Deus.
ResponderExcluirO melhor presente para ela!
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