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VENDE-SE UM PIANO - Chico


VENDE-SE UM PIANO
Naquela manhã, o espaço reservado para o café em um dos hotéis de Brasília estava quase lotado. Ocupei a única mesa vazia, ao lado daquela em que duas senhoras conversavam. Turistas bem-humoradas, evidenciavam sua origem pelo inconfundível sotaque.
Aos poucos a sala foi se esvaziando, permitindo que eu identificasse o assunto que elas abordavam, referindo-se a uma amiga em comum – chamada carinhosamente de Efe.
Efe, segundo as duas senhoras, estava tentando vender – sem sucesso - um piano que há muito pertencia à família. Entretanto, o tema central da conversa não era o instrumento propriamente dito e, sim, uma visita que a proprietária havia recebido: um casal parecia interessado em adquiri-lo.
O homem estaria se mudando para a cidade e queria o piano para seus estudos. A mulher o acompanhava e nada mais se sabia dela.
- Efe mencionou que o homem tocou algumas músicas diferentes. A mulher que o acompanhava apenas ouvia - Disse uma delas.
- Vai ver ele estava querendo impressionar! Ou que a mulher entendesse o que ele queria dizer com as músicas – Acudiu a outra.
Agucei os ouvidos e permaneci na mesa mesmo depois de ter tomado meu café.
- Parece que a mulher era muito, muito bonita!
- Será? E gostou das músicas?
- Efe disse que ela sorria o tempo todo. E ele às vezes olhava para ela, também sorrindo.
- Não parece estranho?
- Nos dias de hoje, o que é estranho, minha querida?
- Bom, se havia algo no ar, por que não disseram de uma vez?
Nesse instante, elas se preparavam para levantar, atendendo ao chamado da moça que cuidava da excursão.
- Sabe o que Efe falou também?
Os demais turistas se levantaram com as duas senhoras, suas vozes se misturaram e nada mais eu compreendi da conversa.
Tudo isso me levou a refletir: nada deve ser deixado por dizer, qualquer que seja o tipo de relacionamento entre duas pessoas. Creio que aquele homem e aquela mulher terão encontrado o momento certo e o lugar ideal para se deixarem transparecer. Nesse momento e nesse lugar, ouvintes e suas opiniões terão sido totalmente dispensáveis.
Até concordo que para bom entendedor – ou boa entendedora - uma canção basta. Mas este é assunto para outra discussão.
É óbvio: eu gostaria de saber o desfecho da história. Para isto ser possível, alguns eventos teriam que me acontecer: estar um dia na cidade onde Efe mora; descobrir seu endereço ou o número de seu telefone; verificar se o piano ainda está à venda; fazer uma visita como quem deseja comprá-lo; elaborar as perguntas certas etc. Enfim, algo muito pouco provável.
Como algumas outras coisas na vida.
  

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