Todos os dias, aquele homem voltava de seu trabalho
às cinco e meia da tarde.
Vivia uma cotidiana rotina, depois de entrar em casa. Um copo d’água ao abrir as janelas; os pés descalços e um rápido
passeio pelo quintal para recolher as roupas penduradas no varal que unia um
arbusto a um parafuso fincado no muro.
Uma rápida limpeza no estreito cimentado, a volta
à cozinha para preparar a refeição, sorvida com pálido entusiasmo.
Depois, lavava o prato, os talheres, lia alguma coisa enquanto o rádio
transmitia as notícias de sempre. Em seguida, as horas de sono, em geral
inquietas, esticavam suas noites.
Durante algum tempo, uma novidade passou a
compor seus instantes vespertinos e se tornou indispensável. Resolvera prender um recipiente com água açucarada no arbusto próximo ao muro, convidando os beija-flores a essa bebida.
Um desses pequenos pássaros aceitou o convite e pousava,
invariavelmente às cinco e meia da tarde, sobre o recipiente. Assim, deixaram de se sentir sozinhos o beija-flor e o homem.
Vários meses observaram a repetição metódica dos
olhares, assobios, piados, bater de asas em despedida e regresso.
Aos poucos, aquele homem passou a perceber que o
copo d’água tinha mais sabor; que as janelas deixavam passar ares mais frescos; que o cimentado ganhava outras dimensões e que as roupas no varal ficaram até mais coloridas.
Varrer o quintal passou a ser tarefa gostosa, cumprida
com a presença do beija-flor. As refeições ficaram mais saborosas, assim como
as leituras e as notícias de sempre. O sono passou a ser reconfortante e, as noites, bem mais curtas.
Houve uma semana em que a chuva não cessou um só
instante. Nesses dias, não veio seu amigo e o homem se sentiu muito só.
Além disso, as novas mudanças em seu horário de trabalho agora lhe permitiam estar em casa apenas às seis e meia da tarde. O beija-flor
retornou várias vezes mas as repetidas ausências daquele homem o levaram a não
mais sentir a doçura da água e ele passou a buscar alternativas para os encontros dos fins de tarde.
Por sua vez, o homem, entre inconformado e
resignado, resolveu guardar o recipiente. Algo estava muito diferente e, ao que parecia,
era definitivo.
Sem o beija-flor e de volta à solidão, viu sua
rotina transformada. Invariavelmente chegava ao bar às seis e meia da tarde. Sua
casa permanecia sempre fechada, o quintal não era mais visitado nem varrido o estreito cimentado. Passou a mandar lavar sua roupa, deixou de
fazer a refeição da tarde, abandonou a leitura e não mais ouvia as notícias
cotidianas.
Suas noites passaram a ser atribuladas. Consta
também que mandou cortar o arbusto que ficava próximo ao muro do fundo. Em
muitas madrugadas, é visto sentado em frente à porta de entrada de sua casa.
Sempre sozinho e balançando o recipiente outrora cheio de água açucarada.
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