Ser conhecido e reconhecido pelos filhos, ou pelas
filhas. Pais têm sempre este desejo. Ao repassar a vida, constato que muitas
vezes acalentei esta provável utopia, que poderia ser resumida na pergunta: o
que estaria faltando para que minhas filhas me conhecessem como sou?
Já me sabem como pai, nas diferentes fases de suas
vidas; já me observaram no exercício da profissão; já me olharam como integrante
de comunidades religiosas; já me viram lidando com os variados perfis das
pessoas que se aproximam e permanecem ao meu lado, por intervalos de tempo mais
curtos ou mais longos.
Já atentaram para as minhas preferências
filatélicas, futebolísticas e assemelhadas; já puderam ponderar a respeito de
meu humor; já captaram minha porção motorista a qual as leva para um constante
estado de sonolência, a qualquer hora do dia quando andam de automóvel comigo;
já leram parte significativa dos textos que escrevi e das músicas que compus.
Penso que minhas filhas sabem como sou.
Contudo, ainda mantenho uma
expectativa que, nesta fase da vida, pode ser entendida como tardia. A nenhuma
delas foi possível conviver com a fração paterna que se dedicava aos grupos de
música popular, com nomes inusitados, que proporcionaram momentos únicos e
indivisíveis.
Como também não cuidei o suficiente
para que se guardassem todos os registros sonoros dos trabalhos artísticos realizados, tudo parece ter sido transportado para o terreno do que é
definitivamente inacessível.
Mesmo que se conseguisse reunir os
antigos amigos da música, para um evento revelador das minhas eventuais
habilidades de pianista de música popular, jamais seriam recriadas as
circunstâncias que nos faziam os sonhadores de nosso tempo. Aqui, tempo precisa ser entendido como aquela porção juvenil que permanece mais na memória
do que no cotidiano.
Mesmo analisando todas estas circunstâncias,
às vezes ainda me percebo insistindo em pensar que minhas filhas devem saber como sou. Depois, reflito. Está correto. Minhas
filhas devem saber como sou, não como, talvez, eu tenha sido.
Neste ponto, deixo as ideias velejarem
por meus oceanos particulares. Mais uma tentativa – em vão – de conceder
aos sentidos a recuperação sonora do instante que passou.
Esta é uma das minhas expectativas
tardias, que vai se fixando como esperança não consumada. Afinal, à trajetória
da vida não se acrescentam retornos.
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