Quarta-feira, 22 horas. Tudo
estava pronto. As mesmas canções noturnas continuavam a pavimentar o
caminho de seus sonhos e transformavam o momento em uma espécie de júbilo. A
perspectiva de entrega e de cumplicidade trouxe um pouco de inquietação à noite
que antecedeu a viagem. Costumava ficar atento para se deixar conduzir somente
pela razão, mas vinha fazendo concessões às delícias da emoção. Entendeu que
era preciso dar um pouco de espaço para as emoções. Não muito, contudo.
Enquanto se deixava adormecer relembrou as coisas que ela havia escrito. Houve menção a presentes trazidos pela vida, houve revelação de planos, relatos de descobertas, alusão a tesouros que foram encontrados sem que tivesse sido necessária uma intensa busca. Comentou mudanças nos seus planos e sinalizou levemente que teriam provocado suspiros profundos. Mudanças não previstas que trazem consigo diferentes sensações. Depois de alguns anos, ela estava de volta à sua cidade, à sua casa. Eram capítulos construídos pela trajetória dos acontecimentos, cujas causas apenas se imaginam. Tanto poderia vir em decorrência deste retorno. Em todos os momentos as palavras que ela enviava eram ternas, meigas, reconheceu com a alma reconfortada.
Antecipou a satisfação de rever a beleza daqueles olhos verdes na mulher responsável pelo desejo de reencontro e de permanência, mesmo que por outro curto intervalo de tempo. Confirmou em seu íntimo a densidade do significado daquela viagem. Deixou algumas frases alinhavadas para não se flagrar em incômodos silêncios. Entretanto, optou por deixar nada preparado. De modo espontâneo a saudade seria descaracterizada pelo abraço da chegada, haveria a certeza de que todo gesto se impregnaria da ternura envolvendo a presença que se aguardou. As mãos se dariam como reflexo da afeição declarada.
Apenas mais um dia. Pouco mais de um dia.
Quinta-feira, 21 horas.
Muitos eventos. Nestas horas, seria incompatível avaliá-los. Desde sua chegada, ele havia convivido com a ansiedade, provocada muito provavelmente pelas incertezas vindas do período de ausência. A inquietude era inevitável.
Mas seria melhor nem cogitar levá-la em consideração. Afinal, a esta altura a
luminosa mulher já teria encerrado os compromissos e, na manhã seguinte, viajaria
algumas centenas de quilômetros para que voltassem a estar juntos.
No saguão do hotel sentou-se diante do monitor e, pela primeira vez no dia, acessou sua caixa postal. Talvez ela tivesse deixado a mensagem confirmando o horário de sua chegada e o local do encontro. Talvez voltasse a dizer que seriam muito bem-vindas as palavras ao vivo e o olhar que as acompanha. Talvez repetisse que desejava muito dividir as alegrias e as conquistas que haviam sido recebidas como presentes da vida. Coisas assim. Mas ... não havia mensagem. As atividades deviam ter sido mesmo muito intensas, pensou. Navegou mais um pouco, retornou à sua caixa postal. Nada havia se alterado.
Subiu para o repouso. Revisou o material a ser utilizado no trabalho do dia seguinte, fez algumas adequações e deixou a serenidade invadir sua imaginação. Reviu a agenda, confirmou que estaria ocupado até o meio da tarde. Conferiu os números dos telefones da floricultura e do restaurante em que faria a reserva para o jantar. Flores seriam fundamentais: rosas amarelas. Depois, seria ótimo se saíssem para dançar.
Advertiu a si mesmo: não era necessário tal nível de detalhes. Nem estender os planos. Jamais iria se esquecer de que não havia premeditado conhecer a luminosa mulher, aquela vinda de tão longe e ao lado de quem estaria na próxima noite. Na verdade, avaliou em sua abstração: nem que tivesse tomado todas as providências e elaborado as previsões mais minuciosas, jamais qualquer tipo de planejamento o teria levado a alguém como ela.
A noite foi longa.
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